Como aprender lentamente e com esforço

Apesar do título desse post ser apenas uma brincadeira, ele não poderia estar mais perto da verdadeira experiência de aprendizagem. Claro que não é impossível aprender rápido ou com facilidade mas aí provavelmente poderíamos discutir bastante sobre a qualidade do aprendizado em uma abordagem ou na outra. Pensando um pouco sobre essa experiência mais devagar prezando pela profundidade do aprendizado, resolvi contar um pouquinho sobre uma experiência pessoal.

Agora em Setembro tirei algumas semanas de férias e resolvi fazer um experimento aplicando algumas das estratégias de aprendizado que já comentei aqui no blog para tentar aprender algo novo. Apesar de acreditar na ciência, nos artigos e estudos que li sobre o assunto, percebi que estava estudando e falando muito sobre o assunto e ainda não tinha testado pessoalmente algumas das estratégias mais famosas e que deveriam apresentar os melhores resultados de aprendizado. Depois de mais ou menos 1 mês de testes, acho que já consigo fazer um relato de como tem sido essa experiência.

Como foi a preparação

A primeira coisa que precisei decidir foi o que aprender. Como tenho uma formação na área de computação, não queria que fosse algo diretamente relacionado mas também não queria que fosse algo muito distante e que não tivesse pelo menos algum interesse em aprender. Me lembrei então que, durante o colégio, meu pai tentou me convencer que eu deveria estudar eletrônica digital porque aquilo dava muito dinheiro. Ele chegou a conseguir algum material pra eu estudar mas lembro que tive dificuldades e acabei não avançando. Hoje esse é um tema que me interessa bem mais e inclusive já tinha brincado um pouco com isso seguindo alguns tutoriais sem entender bem o que estava fazendo. Relembrando um pouco desses episódios, percebi que o grande problema sempre foi a eletrônica básica que eu nunca aprendi. Essa foi então a minha escolha pro experimento: estudar eletrônica.

O segundo ponto a decidir foi o material que iria usar para estudar. Sempre gostei de estudar por livros então essa foi uma decisão mais simples e só restou escolher um livro adequado. Consultei alguns sites de venda de livros, li algumas críticas e decidi usar esse aqui: Teach Yourself Electricity and Electronics (Stan Gibilisco, Simon Monk). Parecia ser um livro pra iniciantes no assunto e como bônus ainda tinha questionários no final de cada capítulo que eu poderia usar pra medir o meu progresso nos estudos.

Com esses pontos resolvidos, precisei definir um objetivo para permitir que eu fizesse o monitoramento do meu aprendizado. O objetivo que escolhi foi conseguir entender a fundo como um rádio funciona, quais são os componentes usados, como eles funcionam individualmente e em conjunto pra produzir som a partir de um sinal captado por uma antena. Um ponto importante aqui é que eu não sabia se o livro me daria condições de alcançar esse objetivo mas sabia que ele me faria pelo menos caminhar na direção dele.

Restava então decidir quais as estratégias de estudo que eu usaria e como eu me organizaria. Decidi que estudaria apenas 1 capítulo por dia, sempre no período da manhã e levaria o tempo que fosse necessário pra terminar cada capítulo e o seu questionário correspondente. A partir do segundo dia, sempre iniciaria cada sessão de estudos escrevendo um resumo sobre o capítulo do dia anterior, sem consultar o livro ou qualquer outra anotação que tivesse feito. Aqui acho que vale chamar a atenção para o fato de estar usando apenas 2 estratégias principais de aprendizado: espaçamento pelo fato de estudar apenas 1 capítulo por dia e a prática de recuperação no momento de escrever o resumo do dia anterior (veja o post sobre estratégias de aprendizado).

Como foi na prática

Até o momento da escrita desse post, estudei 23 dos 35 capítulos do livro. Como já faz pouco mais de 1 mês que comecei, já dá pra perceber que não foi possível manter o ritmo de 1 capítulo por dia. Isso aconteceu por causa de 3 motivos principais: provas, capítulos difíceis e dias de descanso (geralmente nos finais de semana).

Antes de falar mais sobre as provas e sobre os capítulos difíceis, queria lembrar que aprendizado rápido é algo bastante questionável. Eu sei que hoje vivemos em um mundo onde tudo acontece muito rápido mas tudo indica que o processo de consolidação do aprendizado não acompanha esse ritmo desenfreado. Em outros tempos eu provavelmente devoraria esse livro de eletrônica em 2 ou 3 dias (é um livro pequeno de 200 a 300 páginas). Em compensação, eu tenho certeza que não estaria nem perto de ter conseguido o aprendizado que consegui até agora indo mais devagar e estudando com mais qualidade. Já escrevi isso antes e reforço aqui: aprendizado de qualidade exige esforço e tempo.

Tendo dito isso, voltamos então pra falar sobre o por quê de não ter conseguido manter o ritmo de 1 capítulo por dia e finalizar o livro até a escrita desse post. Além dos questionários no final de cada capítulo, o livro escolhido também tinha 4 provas e um teste final. No dia em que o capítulo a ser estudado era uma prova, a minha única tarefa de estudos era fazer o resumo do dia anterior e realizar a prova. Um resultado muito legal aqui é que consegui pontuações muito boas (47/50 na primeira e 46/50 na segunda) e o meu único contato com o material foram as leituras dos capítulos, os questionários e o resumo feito no dia seguinte. Somando o tempo para fazer isso em cada sessão, precisei de algo entre 1h e 2hs por dia de estudo. Levando em conta que cada prova é cumulativa e que eu não voltava pra estudar capítulos anteriores antes das provas, dá pra perceber que a retenção do conteúdo está sendo muito boa. Contrastando isso com a minha época de faculdade onde assistia as aulas, lia o material, fazia lista de exercícios, depois me matava de estudar na véspera de cada prova e hoje não consigo me lembrar de boa parte do conteúdo, posso dizer que existe uma diferença bem significativa de esforço e resultado.

Aqui preciso explicar melhor a parte que falo sobre esforço. Apesar de fazer todas as atividades citadas na faculdade, posso dizer que as sessões de estudo desse experimento estão sendo bem mais intensas do que as da época da faculdade. Posso dizer que hoje tenho uma noção melhor do meu próprio aprendizado e consigo perceber quando não estou entendendo, questiono mais a fonte da informação e tento formular e responder perguntas mentalmente antes delas aparecerem no texto. Não tenho dúvidas que essas sessões me cansam bem mais e às vezes é um esforço imenso passar ali os 60 minutos focado nas 15 ou 20 páginas de um capítulo. Lembrando que esse esforço é um bom sinal pois o aprendizado é um processo ativo onde estamos a todo momento tentando construir significado combinando o que já sabemos com a informação que estamos consumindo.

Seguindo adiante, um outro ponto importante que vale a pena comentar é o efeito dos exercícios ao final de cada capítulo e da prática de recuperação. Quando escolhi o livro, vi que ele continha os exercícios e logo pensei que eles seriam ótimos pra eu saber se estava conseguindo aprender ou não o conteúdo de cada capítulo. Aqui eu caí numa das armadilhas mais comuns quando a gente fala sobre aprendizado: performance não deve ser associada com aprendizado. Os exercícios no final do capítulo são interessantes pra te fazer pensar em casos diferentes, dar oportunidade de praticar um pouco o que foi estudado mas nunca devem ser usados pra medir o aprendizado, principalmente se eles são aplicados logo após os eventos de estudo. Isso ficou bastante claro quando em um dia consegui um resultado de 19/20 questões no final do capítulo e no dia seguinte ao tentar escrever o resumo, percebi que não conseguia explicar boa parte dos temas que tinha lido no dia anterior. A performance no teste foi muito boa mas o meu aprendizado foi mínimo. Nesse caso, a prática de recuperação na forma da escrita do resumo me deu uma visão muito mais clara sobre o que realmente eu estava aprendendo, o que precisaria estudar melhor e também contribuiu para a retenção. Nos casos onde não consegui escrever o resumo, ao invés de avançar para o próximo capítulo, repeti o estudo do capítulo que precisava ser reforçado. Em alguns casos mais extremos, foi necessário buscar algum outro material de apoio fora do livro.

Falando agora sobre um outro momento do experimento, logo ali no primeiro dia de estudos, estava bastante ansioso para aprender como fazer um circuito básico, entender pelo menos como acender um LED até que abri o livro no primeiro capítulo e comecei a ler sobre…

Física e química!

Apesar de saber que esses 2 temas tinham tudo a ver com o que queria estudar, não estava esperando que o livro começasse com esses tópicos. Se eu não tivesse o meu objetivo de aprender eletrônica e se eu não estivesse fazendo o meu experimento, talvez esse não fosse um capítulo que prendesse a minha atenção. Ainda assim, pensando como educador, começar com uma base sólida de conhecimento sobre o tema em questão é algo que faz muito sentido e que possibilita alcançar um aprendizado mais profundo. Isso significa que a pessoa vai ter mais condições de resolver problemas, fazer associações ou relacionar tópicos distintos justamente porque ela tem essa base. Perceba que o ponto importante aqui é o fato de que entender a importância de se começar com os fundamentos fez com que eu consumisse o conteúdo do capítulo de forma mais crítica e ativa mesmo que a capítulo não fosse muito motivador. Alguém que não tivesse a mesma motivação e conhecimento sobre o processo de aprendizado talvez não conseguisse tirar tanto proveito do mesmo conteúdo.

Complementando esse último ponto, notei que estou sendo muito mais crítico em relação a forma como o conteúdo é apresentado e organizado no livro. Como agora tenho uma noção melhor de quais são as limitações associadas ao processo de aprendizado, consigo perceber quando um tema que ainda não foi explicado aparece no texto num momento inoportuno. Um exemplo que me chamou a atenção no livro foi que em alguns momentos, são citados conceitos como indutância e capacitância nos primeiros capítulos e até mesmo nos exercícios sendo que esses conceitos são mais complexos e só são apresentados do capítulo 10 pra frente. Esses são pontos de distração que se não forem identificados podem prejudicar o aprendizado. Por exemplo, uma reação possível seria eu fechar o livro e começar a pesquisar sobre esses conceitos e entrar em tópicos avançados demais antes da estar preparado. Isso poderia levar a frustração e consequentemente em desmotivação para continuar aprendendo.

Por outro lado, o que eu percebi quando precisei buscar alguma fonte externa pra complementar o conteúdo do livro foi que a base de conhecimento que o livro construiu comigo desde o início está sendo suficiente para que eu consiga acompanhar outros materiais sem dificuldade. Com certeza não teria o mesmo aproveitamento desses outros materiais se o livro tivesse deixado de explicar os detalhes da física ou então como é o funcionamento e a composição de cada um dos componentes estudados.

Como eu avalio o experimento até agora

Tendo em vista o meu objetivo final de aprendizagem, hoje já posso dizer que consegui absorver muitos conceitos básicos da eletrônica. Consigo lembrar muito bem dos conceitos da física e química que são importantes, análise de circuitos de corrente contínua e alternada, componentes como resistores, capacitores, indutores, transformadores, transistores entre outros. Já consigo ter uma ideia macro de como um rádio funciona, ainda não consigo explicar todo o seu funcionamento mas com certeza estou mais perto do que estava quando comecei o experimento. Mais importante do que isso, consigo perceber que as peças estão se encaixando e que a base que foi construída até agora está bem firme, com boa retenção e que ela está me permitindo ser ainda mais crítico durante as sessões de estudo.

Do ponto de vista do esforço necessário pra estudar dessa forma, posso dizer que alguns dias são mais difíceis mas que no geral apesar das sessões serem cansativas, elas também são muito prazerosas, principalmente quando consigo antecipar algumas conclusões e percebo que estou entendendo o funcionamento das coisas. Atingir esse tipo de sucesso é super importante pra realimentar a motivação pra continuar aprendendo.

Termino esse longo relato deixando um convite pra que você também experimente essas estratégias para aprender alguma coisa nova. São 3 pontos principais e que podem te mostrar um caminho de aprendizado muito produtivo:

  1. Estude regularmente, em períodos curtos com espaçamento de pelo menos 1 dia
  2. Pratique a recuperação do dia anterior antes de iniciar cada nova sessão de estudo
  3. Monitore o seu próprio aprendizado constantemente e ajuste as estratégias de acordo

O aprendizado vai ser bem lento e difícil mas pode ter certeza que vai ser um aprendizado de qualidade e duradouro.

2 pensou em “Como aprender lentamente e com esforço

  1. Que artigo sensacional! Também tenha essa fissura por aprender, montar métodos e mensurar o progresso. Muito obrigado por compartilhar sua experiência, vou ler outros artigos de sua autoria, a sua forma de detalhar e exemplificar é muito coesa e de fácil absorção.
    Eu não sei exatamente o motivo, talvez possamos pensar juntos. Por conta dos extensos paragráfos, me senti cansado durante a leitura, não sei se a troca da fonte ou espaçamento poderia melhorar a experiência, não tenho muito conhecimento sobre tipografia. Insisti para ler pois o conteúdo realmente é bom, mas se encontrar um equilibrio nesse aspecto pode ser melhor. Talvez as cores de contraste entre texto e fundo, não sei. Confesso que talvez seja frescura, mas quem sabe dê pra otimizar.
    Obrigado mais uma vez, abraços!

  2. Ótima abordagem do assunto tema :aprendizagem e problematização do caso mencionado. Cada pessoa tem suas características específicas : assimila determinados assuntos com uma dinâmica própria. No entanto, gostaria de destacar do seu texto, aquilo que motiva (que move) seria a busca do conhecimento, por outro lado , olhar o problema de diversos ângulos.
    Enfim, assunto-tema envolvendo a problemática da cognição requer muita reflexão. Uma discussão interessante : Metodologias Ativas de ensino contribuem de forma significativa, mas será a solução ?
    Fica a indagação: e o elevado grau de conhecimento dos professores (as) dos diversos campos e áreas.

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