Como estudar com estratégias eficazes

A prova está marcada para o final do mês. Como ainda está muito distante, deixamos para estudar numa data mais próxima porque se fizermos o preparo agora, provavelmente não vamos nos lembrar de muita coisa quando chegar o dia do teste. Quando falta um dia para a prova, usamos a estratégia de reler os capítulos relevantes, refazer as listas de exercícios e rever anotações de aulas. No dia seguinte, a prova acontece e algum tempo depois recebemos nossas notas. O que você imagina que vai acontecer?

Apesar dessa pergunta parecer uma armadilha, o resultado provavelmente vai ser satisfatório! Digo por experiência própria pois essa foi minha principal estratégia para estudar na universidade. Também conheci outras pessoas que faziam o mesmo com resultados bem parecidos e talvez você também já tenho feito uso dessa estratégia com sucesso. Parece então que estudar dessa forma traz bons resultados mas antes de chegarmos em qualquer conclusão, vamos um pouco além.

Será que aprendemos?

Suponha que aquela tenha sido a última prova do semestre e que tenhamos aproveitado muito bem o mês de férias antes de retornar às aulas. Por coincidência, a primeira aula que assistimos é de uma disciplina que é a continuação direta daquela do nosso cenário inicial. Em algum momento, percebemos que não estamos conseguindo acompanhar muito bem a aula e questionamos a pessoa que está ensinando e que responde: “Mas isso aqui é só uma revisão do que vocês já viram no semestre anterior.”. Nossa primeira reação é pensar: “Não é possível que a gente tenha visto isso antes e agora não lembre mais!” mas isso só dura até revermos nossas anotações do semestre anterior e confirmar que de fato já deveríamos saber aquilo.

Apesar de ser um cenário hipotético, consigo me lembrar de algumas vezes onde isso aconteceu comigo e tenho certeza que já aconteceu com você. Basta pensar um pouco sobre tudo o que você já estudou até hoje na escolinha, no colégio, na faculdade e tentar fazer uma estimativa de quanto você consegue se lembrar. Se depois de fazer esse exercício você pensou em algo como: “Ah mas são cenários muito diferentes, já faz tanto tempo que é natural ter esquecido boa parte disso.”, então você tem ainda mais motivos pra ler esse post.

Filtros da memória

Vimos no post anterior que para aprendermos algo, precisamos combinar informações, sejam elas vindas de alguma fonte externa ou da nossa própria base de conhecimento, para estabelecer relações e categorizá-las na nossa memória de longo prazo. Desse modo, sempre vamos precisar lembrar de algo para resolver um problema ou criar algo novo mas um ponto bastante importante aqui é: como sabemos o que precisamos lembrar para resolver um determinado problema ou aprender algo?

Pra responder essa pergunta não precisamos ir muito longe, só precisamos fazer uma pequena brincadeira. Qual é o nome do animal que é um mamífero, é bem grande, possui grandes orelhas e uma tromba? Imagino que você não tenha tido dificuldades em reconhecer que estou falando de um elefante. Conforme você leu as dicas, elas te ajudaram a filtrar a infinidade de informações que você tem na memória de longo prazo. Como todas informações são armazenadas de forma categorizada, fica fácil de chegar rapidamente num resultado quando se tem um conjunto de pistas de recuperação.

As pistas podem ser diferentes tipos de estímulos: um cheiro, uma imagem, uma música ou até mesmo a temperatura do ambiente ou um estado emocional. Como estamos a todo momento cercados de todos esses tipos de estímulos e como já vimos que nossa capacidade de processamento é limitada, precisamos voltar nossa atenção para um pequeno subconjunto deles. Dessa forma, as informações que vão ser usadas como base para categorizar o que você aprende ou para recuperar o que você já sabe serão sempre baseadas em algum subconjunto dos estímulos disponíveis em determinado momento.

Eu lembro, só não sei até quando

Sempre que aprendemos algo novo, fica fácil lembrar daquela informação por um curto período de tempo. Isso significa que conseguimos discriminá-la facilmente das demais em nossa memória de longo prazo a partir de um conjunto de pistas de recuperação. Porém se não usarmos mais aquela informação e tentarmos usá-la depois um mês ou mais, provavelmente não conseguiremos ter sucesso. Note que a informação vai estar lá, só não vamos mais conseguir filtrar as demais informações para chegar nela a partir de um conjunto de pistas.

Dizemos que a facilidade que temos para recuperar alguma informação é a força de recuperação dela. Uma característica da força de recuperação é que ela vai diminuindo naturalmente com o tempo devido à característica adaptativa da nossa memória. Se você não usa alguma coisa frequentemente, provavelmente ela não é tão importante e então para que ela não te atrapalhe a lembrar de outras coisas mais importantes, ela vai ficando cada vez mais difícil de lembrar.

Mas e se a gente quiser guardar algo por muito tempo? Será que basta estudar a informação de forma intensiva como no exemplo da prova no início desse texto? Assim como temos uma definição para representar a facilidade de recuperação da informação, temos também uma definição para o quão bem armazenada ela está que é a força de armazenamento.

A força de armazenamento representa quanto tempo uma informação vai permanecer acessível e depende do quão bem estruturada ela está na memória de longo prazo. Além disso, ela está diretamente relacionada com a força de recuperação: quanto maior a força de armazenamento, menor a velocidade com a qual a força de recuperação diminui com o passar do tempo. Falando em termos mais simples, quanto melhor você aprende alguma coisa, mais difícil fica de esquecê-la.

Lembrar também é uma forma de estudar

Dado que um dos nossos objetivos no aprendizado é conseguir alcançar uma boa retenção de tudo que aprendemos, fica claro que precisamos encontrar uma maneira efetiva de aumentar a força de armazenamento. A melhor forma de fazer isso é tentar relembrar aquilo que aprendemos. Ao fazer isso, estamos tentando formar mentalmente um conjunto aproximado de pistas de recuperação para chegar na informação. Muitas vezes isso vai ajudar a categorizar melhor essa informação ou relacioná-la com outros esquemas, aumentando assim a sua força de armazenamento.

Já vimos no exemplo da prova que simplesmente estudar de forma intensiva a partir de livros e notas de aula não parece ser algo que funcione para obter uma retenção longa das informações. Considerando que o estudo tinha sido apenas reler os materiais relevantes e refazer os mesmo exercícios, podemos dizer que estávamos apenas recuperando as informações a partir desses materiais. Consequentemente, não havia nenhum tipo de acesso sendo feito na memória de longo prazo e portanto nenhum ganho significativo de força de armazenamento.

Com base nisso tudo, poderíamos então adotar uma estratégia de estudos diferente: poderíamos pegar uma folha em branco e tentar escrever tudo o que lembrássemos sobre o assunto da prova. Desse modo, estaríamos reconstruindo essas informações, criando novos relacionamentos e categorias para elas.

Mas por que essa não é a forma que usamos normalmente para estudar alguma coisa que queremos lembrar por muito tempo?

Resultados agora e não no futuro

Para responder a pergunta anterior, tente pensar nas respostas para as seguintas perguntas:

  1. O que estaríamos medindo se fizéssemos uma prova agora sobre o conteúdo desse texto?
  2. O que estaríamos medindo se fizéssemos uma prova daqui 2 semanas sobre o conteúdo desse texto?

As respostas corretas para as perguntas seriam:

  1. força de recuperação
  2. força de armazenamento

Agora e se eu te perguntasse qual dessas é mais fácil de medir agora? Provavelmente você responderia que conseguiríamos medir a força de recuperação e isso seria bem fácil de conseguir. Aliás, isso é o que acabamos de fazer. O simples fato de tentar responder algumas perguntas sobre o assunto já é uma forma de medir a sua força de recuperação. Mas e se a gente quisesse medir a força de armazenamento? Muito mais difícil, certo? Seria como se quiséssemos prever o futuro.

Quando vamos avaliar uma estratégia de estudo, geralmente julgamos a sua eficácia com base naquilo que conseguimos perceber mais facilmente, ou seja, a força de recuperação do que estudamos. Estudar o mesmo material ou refazer sempre os mesmos exercícios passa uma falsa sensação de que estamos conseguindo nos lembrar cada vez mais daquele conteúdo. Só que nesse caso estamos olhando apenas para a força de recuperação que é apenas um indicador de performance atual e não futura.

Pensando nesse cenário, quais chances aquela estratégia de escrever tudo que lembramos em uma folha em branco vai ter com a gente quando passarmos uns 5 minutos olhando pra folha e lembrarmos pouquíssimas coisas?

Estudar vai ser difícil

O problema é que esse tipo de prática exige muito mais esforço e vai passar a impressão que não está sendo benéfica pois julgamos a eficácia da estratégia pela nossa performance atual. Isso é algo natural para todos nós mas uma vez que sabemos disso, podemos ignorar a performance atual e tomar decisões mais informadas sobre as nossas estratégias de estudo com o objetivo da longa retenção (performance futura).

Já vimos a estratégia de estudar com a folha em branco mas você pode usar qualquer atividade que exija acessar as informações da memória de longo prazo para obter uma boa retenção dessas informações. Essa estratégia de estudo é conhecida como prática de recuperação e é uma das formas mais eficazes para aprender algo.

Infelizmente nem tudo são flores e mesmo a prática de recuperação tem suas limitações. Fazer esse tipo de prática repetidamente sem nenhum intervalo entre elas não vai trazer um ganho significativo para a força de armazenamento.

Limpe a sua mente

A explicação pra isso é que quando fazemos a prática de recuperação, aumentamos não só a força de armazenamento mas também a força de recuperação. O problema é que elas não aumentam na mesma proporção. Se a força de recuperação de uma informação já é muito alta, então o ganho de força de armazenamento ao recuperá-la novamente vai ser bem pequeno. É como se ficássemos enviesados e usássemos sempre o mesmo conjunto de pistas de recuperação para acessar a informação. Agora, se a força de recuperação for baixa, podemos esperar um aumento maior na força de armazenamento depois da recuperação.

Idealmente, precisamos nos livrar de qualquer viés para que posssamos ter alguma possibilidade de reconstruir de forma benéfica a informação durante a prática de recuperação. A melhor forma de fazer isso é simplesmente esperar que algum tempo se passe pois uma das características mais peculiares da nossa memória de longo prazo é que toda vez que lembramos de algo, esquecemos alguma outra coisa. Como precisamos lembrar de coisas a todo momento, concluímos que também estamos constantemente esquecendo muitas coisas.

Com base em tudo isso, podemos finalmente apresentar uma segunda estratégia de aprendizado que é o espaçamento. Ela também é uma das estratégias mais eficazes para o aprendizado e faz uso de intervalos entre práticas de recuperação sucessivas para maximizar os ganhos na força de armazenamento. Como cada vez que essa força aumenta, lembramos da informação por mais tempo, podemos aumentar cada vez mais o espaçamento entre duas práticas de recuperação. Depois de algumas repetições, com certeza você lembrará daquelas informações por muito tempo.

Juntando as peças

Se você quer conseguir um aprendizado que resulte em longa retenção, você agora já tem toda informação que precisa. Basta lembrar que um bom aprendizado exige tempo e esforço que são justamente o que o espaçamento e a prática de recuperação vão te exigir.

Uma boa execução dessas estratégias deve começar com um planejamento antecipado para que você fique pronto antes de precisar das informações. Para isso você pode agendar as práticas de recuperação começando com intervalos pequenos de 1 ou 2 dias entre elas e depois ir aumentando gradativamente até a sua data limite.

Alguns exemplos de práticas de recuperação que você pode utilizar para estudar algum assunto:

  • Elaborar perguntas sobre o que você está estudando
  • Escrever tudo o que você lembra sobre o assunto
  • Explicar parte do assunto pra alguém
  • Resumir o que você estudou
  • Fazer um diagrama relacionando os elementos importantes sobre aquele assunto

Apesar de você ter chegado até aqui, talvez você ainda não esteja convencido que essas estratégias funcionam mas ainda assim eu te convido a fazer um teste escolhendo um assunto qualquer e tentando realmente executar o que você leu aqui. Posso garantir que vai ser difícil, demorado mas você vai aprender como nunca aprendeu algo antes. E caso você precise de mais algum argumento, as referências abaixo fazem um ótimo trabalho demonstrando experimentos que comprovam a eficácia dessas estratégias. Desejo bons estudos!

Referências

  1. Roediger, H. L., & Karpicke, J. D. (2006). Test-Enhanced Learning: Taking Memory Tests Improves Long-Term Retention. Psychological Science17(3), 249–255.
  2. Bjork, Robert & Bjotk, Elizabeth. (1992). A new theory of disuse and an old theory of stimulus fluctuation. Essays in honor of William K. Estes, Vol. 1991: From learning theory to connectionist theory. 1935-1967.

5 pensou em “Como estudar com estratégias eficazes

  1. Muito bom. Explicar sobre o assunto para alguém (ou para as paredes, quando não tem ninguém pra escutar) costuma funcionar muito bem comigo… Legal ver um método que já utilizo é realmente eficiente.

    1. Que legal Adriélly! Tem muita coisa boa acontecendo quando a gente tem que explicar algo (mesmo que seja pras paredes hahaha). Você precisa organizar as informações, checar se elas fazem sentido com alguns testes mentais, formular frases que comuniquem corretamente aquele assunto e assim por diante. O melhor é que é uma estratégia muito boa pra identificar os pontos que não estão claros ainda.

  2. Excelente! Uma das melhores explicações sobre retenção de conhecimento que já li! Li depois de ler o texto das memórias e foi muito complementar! Espero que vc fale sobre Anki depois, especialmente sobre o uso para além do aprendizado de línguas, como é costumeiramente tratado.

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