Você já sabe aprender

Há alguns bons anos atrás, quando tinha entre 6 e 7 anos, lembro que comecei a aprender programação apenas copiando os exemplos de um manual que tinha vindo junto com o computador do meu pai. O manual era bem direto e mostrava cada comando da linguagem e um código curto de como aquele comando poderia ser utilizado pra fazer alguma coisa. Não demorou muito tempo e descobri que dava pra combinar esses comandos e fazer pequenos sistemas para tornar as brincadeiras com meus irmãos mais divertidas. Agora já dava pra saber quanto de dinheiro eles me deviam e até mesmo simular o tempo de abastecimento quando eles passavam no posto de gasolina feito com dominós e cartas de baralho.

Estava me lembrando desses meus primeiros passos e fiquei me questionando como foi possível eu ter aprendido a programar dessa forma. A motivação me parece bem clara mas imagino que nessa época eu devia estar começando a ir pra escola e provavelmente nem tudo que estava naquele manual fazia sentido pra mim. Como eu sabia que copiar os exemplos e testá-los faria com que eu aprendesse tudo aquilo e conseguisse fazer os meus sistemas de brincadeira? Meu chute é que estava apenas replicando o que eu via meu pai fazer e tenho certeza que ele não precisou me explicar isso.

O ponto aqui é que ninguém precisaria explicar mesmo esse processo pois todos nós já nascemos programados para aprender. Pensa em como uma criança consegue aprender as coisas mesmo que ela não consiga se comunicar, apenas pela interação dela com o ambiente. Por exemplo, ela consegue aprender sozinha que se ela não segurar bem um brinquedo, ele vai cair. Basta que ela observe e teste isso algumas vezes para que ela consiga criar um modelo que vai permitir entender o resultado de soltar um objeto que está nas suas mãos. Claro que ela ainda não vai entender o porquê disso acontecer mas o que importa é que esse processo de criação de um modelo mental que permite fazer previsões já pode ser considerado como aprendizado. No meu exemplo de aprendizado de programação, estava fazendo basicamente a mesma coisa: testando os comandos, observando os resultados e construindo modelos sobre como cada comando funcionava.

Tentativa e erro

Explorando um pouco mais esse processo de aprendizado, tudo começa com a aquisição de informações sobre algo que não conhecemos. Pode ser uma simples observação de algum efeito ou um par de ação/resultado obtido por você ou por alguém. Usamos essas informações para construir um modelo que faça sentido com base no que já conhecemos. Depois testamos esse modelo pra ver se ele consegue prever o resultado de alguma ação. Para isso, pensamos primeiro no que vai acontecer e depois fazemos mais testes pra ver se as coisas acontecem como o previsto. Caso isso não aconteça, fazemos ajustes no modelo até que ele consiga ter uma taxa de acertos mais aceitável.

No núcleo desse processo existe esse ciclo de construção de modelo, testes, seguidos de ajustes no modelo e mais testes, até que o modelo seja bom o suficiente. No fundo esse é um processo de busca por tentativa e erro. Tentamos combinar o que é novo com o que já conhecemos e depois testamos. Se não funciona, tentamos combinar com alguma outra coisa que já conhecemos e repetimos esse processo até que a gente tenha um resultado satisfatório.

O problema é que nossa base de conhecimento prévio é bastante extensa e pode ser que as combinações do que é novo com o que já conhecemos sejam muito numerosas inviabilizando esse processo. Por esse motivo, é muito importante que a gente consiga identificar rapidamente quais partes do nosso conhecimento prévio são relevantes para aquilo que estamos tentando aprender. Isso pode ser feito pela pessoa que te ensina ou pelo material didático que você está utilizando. Por exemplo, isso pode vir na forma de um direcionamento sobre por onde você deve começar ou um detalhamento passo a passo de um processo pra evidenciar quais combinações fazem mais sentido. Quando isso falta, sentimos mais dificuldade para aprender pois as possibilidades são muitas e ficamos sobrecarregados com a quantidade de opções.

Isso nos mostra que todos aprendemos da mesma forma e não conseguimos escapar desse processo. Pense nas últimas coisas que você aprendeu e tente se lembrar de todas as validações mentais que você precisou fazer antes de sentir que entendeu alguma coisa. Melhor ainda, pense no que você leu até aqui nesse texto e em como você provavelmente pensou: “Isso faz sentido!” ou então “Isso não faz sentido por causa disso e aquilo.”. Em qualquer uma dessas situações, você só vai chegar à alguma dessas conclusões depois de consultar o que você já tem de conhecimento e tentar encaixar com o que eu escrevi até aqui.

Aprendizado efetivo e eficiente

Já dá pra perceber que não parece que tem muito espaço pra gente aprender como aprender. Estamos todos sujeitos ao ciclo de tentativa e erro somado à algumas limitações relativas à quantidade de informações com as quais conseguimos lidar ao mesmo tempo. Ainda assim, isso não explica o fato de todos nós conhecermos pelo menos uma pessoa que parece aprender tudo com muita facilidade. Qual será o segredo então? Já que não conseguimos aprender a aprender, o que podemos fazer com relação ao aprendizado?

Um primeiro ponto é o que comentei anteriormente sobre dar um direcionamento ou guiar a pessoa durante o aprendizado. Ao fazer isso, filtramos as informações irrelevantes, reduzimos o espaço de busca e por consequência diminuímos o esforço necessário para aprender. Dizemos que conseguimos um aprendizado eficiente nesse caso pois ele evita que desperdicemos energia com buscas desnecessárias. Retomando o exemplo lá do começo, se alguém tivesse me explicado diretamente o que cada comando fazia e como eu poderia combiná-los levando em conta o que eu já sabia, sequenciando cada um deles dos mais fáceis para os mais difíceis, com certeza eu teria aprendido tudo mais rápido e com menos esforço.

Outro ponto importante tem a ver com a qualidade dos modelos mentais que construímos durante o aprendizado. Os modelos que geramos nem sempre são os melhores possíveis. Isso depende da quantidade de informações disponíveis e também dos testes que conseguimos fazer naquele momento. Como exemplo, pense nos modelos que usamos para explicar porque as coisas caem. Inicialmente, nosso modelo provavelmente só considera que as coisas tem a tendência de ir pra baixo. Quando aprendemos que a Terra é uma esfera, fazemos perguntas que deixam bem claro o modelo que tínhamos: “Mas como a água não cai pra fora do globo?”. Aí aprendemos sobre a gravidade, ajustamos nosso modelo e conseguimos explicar o comportamento da água nos oceanos e de muitas outras coisas. Perceba que aqui é fácil pra alguém testar e validar o modelo mais simples mas pense em como seria difícil fazer o mesmo para o modelo da gravidade como hoje conhecemos. Isaac Newton com certeza não se contentou com a simplicidade do primeiro modelo e buscou construir um modelo mais genérico e de maior qualidade para explicar esse fenômeno. Promover a construção de modelos genéricos e que podem ser aplicados em várias situações deve ser um dos nossos principais objetivos quando ensinamos alguém ou quando tentamos aprender.

Como último ponto, as coisas que aprendemos só são úteis se conseguimos recuperá-las quando precisamos delas. De que adianta copiar todos os exemplos dos comandos de uma linguagem de programação se eu não consigo lembrar desses comandos quando preciso fazer um código que resolve um problema? Quando utilizamos um dos nossos modelos mentais regularmente, estamos sinalizando que ele é importante e que devemos mantê-lo por mais tempo. O contrário também é verdade e tudo que não utilizamos acaba sendo esquecido. Novamente, durante o aprendizado queremos construir modelos genéricos e de qualidade mas que sejam mantidos por muito tempo. Por esse motivo, precisamos fazer uso de tudo que foi aprendido recorrentemente para consolidarmos nossos modelos.

Quando o aprendizado resulta na construção de modelos mentais genéricos, bem organizados e que ficam armazenados por um longo período de tempo, dizemos que alcançamos um aprendizado efetivo. Idealmente, gostaríamos de fazer tudo o possível para alcançarmos sempre um aprendizado que seja efetivo e eficiente.

Quem ensina e quem aprende

Uma coisa que ficou bastante clara pra mim é que o aprendizado depende de muitos fatores e vários deles não estão sob o nosso controle. Quando quis aprender programação, eu não tinha como pedir pro material ser mais claro ou para que ele apresentasse os comandos não em ordem alfabética mas em ordem de complexidade. Se eu estivesse tendo aulas sobre o assunto, a pessoa que estivesse me ensinando teria que ter uma boa noção sobre aprendizado para saber o que fazer para tornar o aprendizado mais efetivo e eficiente pra mim. O que quero dizer é que tanto a pessoa que ensina quanto a que aprende precisam saber o que significa aprender e como podemos trabalhar com nossas limitações para atingir um bom resultado de aprendizado. Quem ensina pode fazer isso muito bem mas não vai alcançar sucesso se só ensinar pessoas que não conhecem o próprio processo de aprendizado. Quem aprende pode até conhecer todas as estratégias de aprendizado mas se for ensinado por alguém que não saiba como ensinar, vai precisar de muito mais tempo e esforço para aprender.

Sabemos que está bastante na moda dizer que o importante hoje é ensinar as pessoas a aprender, ter pensamento crítico e resolver problemas. Só que isso é no mínimo estranho e espero ter ajudado você a perceber que já sabemos aprender. As outras duas habilidades dependem diretamente da quantidade de conhecimento que conseguimos acumular e também da qualidade dos modelos que construímos no aprendizado de algum assunto específico. Não adianta querer ensinar como resolver problemas de matemática e esperar que a pessoa consiga resolver problemas de geopolítica pois as estratégias para cada domínio serão diferentes. O que nos falta é buscar entender de forma mais objetiva quais os processos que governam o nosso aprendizado para que sejamos cada vez mais efetivos e eficientes. Felizmente a ciência tem muito a dizer sobre isso e nós temos muito material para cobrir nos próximos posts.

Referências

  1. Sweller, John & Sweller, Susan. (2005). Natural Information Processing Systems. Evol Psychol. 4. 10.1177/147470490600400135.
  2. Simon, H. (1990). Invariants of human behavior. Annual Review of Psychology, 41 , 1-20.

5 pensou em “Você já sabe aprender

  1. Parabéns pelo blog! Tenho estudadosobre o assunto para otimizar meus aprendizados e será muito importante pra mim ter seu conteúdo pra auxiliar nessa caminhada.

  2. Boa Sensei!
    Esse blog será, com toda certeza, uma ótima fonte de conhecimento complementar para o nosso progresso.
    Parabéns para a iniciativa!

  3. Texto muito bom. O aprendizado é um processo muito interessante e bonito.
    Parabéns pelo blog e iniciativa.

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